quarta-feira, 23 de novembro de 2011

                        QUE TE VAYA BIEN




Que tal uma tosta mista com creme de abacate? O mesmo que vai encontrar nas tortas (sandwiches em pão redondo), nas burritas (grandes tacos) ou em muitos outros petiscos. E se for massa de feijão preto a acompanhar o pequeno-almoço ranchero e tortillas de milho com quase tudo?

    É assim que se come no México, um país em que a gastronomia é tão rica, variada e imensa como a  sua História, a paisagem e as pessoas. O segredo está na originalidade da combinação de ingredientes e no espírito caliente dos mexicanos.



   A Praça Garibaldi, na Cidade do México, enche-se todos os fins-de-semana de gente que quer ouvir tocar os Mariachis. Estes, juntamente com os Nortenhos, os Jarochos e os Trovadores enchem de música e de cor um dos locais mais típicos no centro da grande capital. A maior do mundo.

   A esta praça chegam visitantes de todo o lado, atraídos pela fama dos artistas vestidos a rigor: os Nortenhos são verdadeiros cowboys e tocam acordeon, os Trovadores são conhecidos pelas suas baladas, os Jarochos, sempre de branco e vermelho,  dedilham versos malandros nas suas harpas e os Mariachis de Guadalajara  são de todos os mais famosos, nas suas figuras inconfundíveis, roupas justas negras e sombreros como manda a tradição.

   Para além do ouvido, outros sentidos são, ao final da tarde, despertados pela intensa actividade que se começa a viver nas esplanadas, restaurantes e bares da Garibaldi. Os aromas fortes da comida mexicana espalham-se pelo ar e misturam-se com os ritmos envolventes. Num dos cantos da praça deparamos com a entrada de uma galeria de restaurantes a lembrar a Feira Popular de Lisboa -  a simpatia dos que nos chamam é quase irresistível, mas a concorrência é grande e há que escolher.

   Depois de sentados em mesas corridas, lado a lado com estranhos que nos sorriem irmanados na causa do bem comer, podemos relaxar e refrescarmo-nos com uma Sol ou uma Corona (cervejas nacionais) acompanhada de lima. Os empregados afadigam-se para atender os pedidos que não param de chegar e enquanto espreitamos a ementa podemos observar as iguarias expostas por cima do balcão: lombo de vaca, cabeça de porco assada e cabritos inteiros - enfeitados pelo verde dos legumes e ervas aromáticas.

   Decidimo-nos por umas Quesadillas Verdes, crepes de massa de milho, dobrados e recheados de carne de porco, tomate e chile. À nossa frente alinham-se frascos de diversas salsas (molhos), mais ou menos picantes consoante o gosto, e cestinhos com Tortillas, o “pão” mexicano, feito à base de milho e água.

   A rematar não resistimos a uma tequilla reposada, originária da mesma região dos Mariachis. É a mais tradicional bebida mexicana, apesar de este país ser o segundo maior consumidor de coca-cola do mundo; mas isso é outra história.



Una tequilla, por favor




   “Para começar não tem verme  e se quando beber sentir que queima, é porque não é verdadeira tequilla” – diz-se sobre esta bebida, que é um tipo de mezcal. Pode ser blanca (engarrafada num prazo de 60 dias), dorada (semelhante mas de cor amarelada), reposado (com idade entre os dois meses e um ano) e anejo (de um a cinco anos).

   A tequilla é famosa e não só no México: nos primeiros quatro meses deste ano, as exportações desta aguardente aumentaram mais de 30 por cento; a subida foi tão fulminante que inclusive ultrapassou as do sólido sector cervejeiro.

   O mezcal (na origem da tequilla) surgiu com os  conquistadores espanhóis a partir de uma bebida dos aztecas – o pulque. É feito a partir de algumas das mais de 120 variedades da planta do agave, cozida em fornos debaixo da terra. É considerado afrodisíaco e diz-se que o verme que se encontra na garrafa dá força a quem tiver coragem de o comer.

   Não pense, no entanto, que por aqui só se bebem bebidas alcoólicas, pelo contrário, os mexicanos são fãs de refrescos e de sumos naturais. Estes encontram-se um pouco por todo o lado, desde as lojas da especialidade, onde se bebem sumos 100% genuínos, e preparados no momento com praticamente qualquer fruta que se possa imaginar, até aos vendedores ambulantes que passeiam os liquados (batidos) e as coloridas aguas de fruto (sumos naturais aguados), nos seus carrinhos ou em recipientes carregados às costas.

   A figura destes vendedores  é muito comum  nos centros urbanos, especialmente nas ruas junto aos mercados. Apregoam de tudo um pouco: rodelas de ananás, fatias de melancia, manga ou côco, panquecas, tacos (tortilhas enroladas e recheadas),  totopos (versão mexicana de batatas fritas, à base de milho) e até  misturas invulgares como cerveja com chile em pó... .

   Mergulhar nos coloridos mercados mexicanos é uma experiência obrigatória para o visitante  interessado na alma mais popular deste grande país.

Perto do zocalo (praça central) da Cidade do México, onde quase todos os dias se pode assistir ou participar em danças tradicionais aztecas, estende-se o labiríntico Tepito, um grande mercado onde ao longo de várias ruas, ruelas e passeios, se pode comprar roupa, discos e cassetes, armas e artigos militares, produtos desportivos, pornográficos, remédios caseiros, brinquedos, e, claro, comida e bebida. Tudo alegremente misturado e animado pela simpatia das gentes (os portugueses são especialmente apreciados) e pelos sons dos pregões, da música ranchera ou dos últimos êxitos europeus e americanos.        

   Mais característico ainda é o mercado de San Cristobal de Las Casas, uma cidade emblemática do Estado de Chiapas, no sudeste do México. É uma das regiões do país mais rica, mas onde a população é mais pobre.  Muitos são indígenas – choles, tojoobales, tzotziles e tzeltales, herdeiros da antiga cultura maia. Foi aqui que em 1994 nasceu o movimento zapatista, que defende os direitos dos índios, e que mantem até hoje uma situação de conflito com o governo federal.

   Por detrás do Largo da Igreja de Santo Domingo, começa a estender-se o mercado: primeiro a exposição e venda de artesanato, com destaque para as indías de  Sna Jolobil  (Casa das Tecedeiras em dialecto tzotzil), uma organização que representa cerca de 800 mulheres que se dedicam a bordar panos, mantas e colchas com técnicas e motivos tradicionais maias, onde predominam imagens de flores, animais, santos e deuses que velam pelo crescimento do milho e pela fertilidade da terra.


   Um pouco mais abaixo chegamos ao espaço dos produtos alimentares, onde se cruza gente de todas as pequenas comunidades em redor da cidade.  Vêm ao amanhecer, em camions (pequenas camionetas de caixa aberta onde pessoas e mercadorias se amontoam, de maneira impossível!), para venderem e comprarem tudo aquilo que a terra dá.

   Há mangas cor de mel e papaias do tamanho de melancias, meloas que aqui se chamam melons e limons que afinal são limas, bananas que são plátanos e jitomates que não passam de tomates, verdes ou vermelhos. Ainda cebolas descascadas, pimentos cortados, folhas de cacto comestivéis, peras-abacate, laranjas, calabazas (courgettes) e anonas sumarentas. O milho e o feijão estão omnipresentes, ou não fossem os dois ingredientes básicos da alimentação mexicana, tal como os muitos, muitos, chiles picantes.

   Depois de deambular ao longo de vários quarteirões, por esta “Feira do Relógio”*com sabor tropical, o visitante pode voltar ao centro da cidade. Atravessa o jardim do coreto, onde bandas saídas de um qualquer filme de Fellini tocam trechos supostamente típicos, lê um jornal local enquanto bebe uma margarita numa esplanada e deixa-se envolver pelo ambiente.



Temperos da História

  

   San Cristobal é uma pequena cidade colonial, de ruas lineares e casas pitorescas de cores vivas, com pátios e jardins interiores. Por todo o lado, em qualquer dos muitos bares, restaurantes, cibercafés, agências de viagens, hotéis, ou apenas na rua,     turistas em busca de ideais perdidos misturam-se com ladinos (brancos ou mestiços) e índios.

   Os indígenas vivem sobretudo do pequeno comércio de rua, da venda de pulseiras e cintos tecidos, mantas garridas e bonecos que representam Marcos e os seus companheiros do rebelde EZLN, Exército Zapatista de Libertação Nacional.     

   As mulheres  tzotzil vestem uma saia escura, que não é mais do que um grande pano de lã grossa enrolado à cintura. Completam a vestimenta com camisas de cor ou bordadas e entrelaçam fitas no cabelo negro, normalmente apanhado em tranças longas.

    A toda e qualquer hora, os camponeses bebem poson  (líquido de milho desfeito em água, que é também o primeiro alimento dos bébés, depois de deixarem o peito da mãe) e comem tortillas, preparadas diariamente .

   O ritual começa pela descamisada das espigas de milho, seguido da debulha. Os grãos são colocados de molho, em água com cal, para que a casca se solte facilmente quando o milho é lavado. Para as tortillas ficarem macias, os grãos são  moídos duas vezes para que a massa se torne mais fina; esta é reduzida a uma pequena bola que é prensada num instrumento próprio, muitas vezes rudimentar. No final, é aquecida e, às vezes, tostada, numa chapa de metal – sempre que se serve uma refeição.

   Para além do milho e do feijão, o café é a outra principal cultura em Chiapas, sendo acima de tudo   uma fonte de rendimento. Os mexicanos bebem cafe americano (fraco e servido numa grande chávena), mas nada comparável à bica portuguesa!

   Também o chocolate, antes de ser uma  guloseima internacional, fazia parte da alimentação quotidiana neste país da América Central. Uma bebida preparada com pó de cacau já era a preferida do imperador azteca Moctezuma. 

   O chocolate, o milho e o feijão fizeram parte dos primeiros produtos exportados do México para a Europa pelos conquistadores espanhóis – outro foi o chile que  Hernãn Cortez levou na sua primeira  viagem de regresso a Espanha. Estes alimentos, entre outros como o abacate, a batata e o tomate, mudaram os hábitos alimentares europeus.

   O intercâmbio da cultura alimentar fez-se nos dois sentidos enriquecendo também a tradicional cozinha mexicana, que remonta ao período pré-hispânico e às chamadas culturas do milho. As especiarias da Índia, o gado ovino e bovino, cereais como o arroz, e as azeitonas, foram alguns dos produtos levados para o país pelos colonizadores.

   Monjas vindas do velho continente abraçaram o melhor de ambas as gastronomias, contribuindo com o seu saber fazer para  a mescla de hábitos e sabores, influenciada ainda pelas migrações ocorridas no país, aquando da revolução de 1910. Os seguidores de Pancho Villa e de Emiliano Zapata (heróis nacionais), nas suas deslocações revolucionárias pelo país, proporcionaram aos mexicanos em geral o conhecimento de hábitos alimentares oriundos de outras regiões (o México tem 31 estados e um Distrito Federal).



Hey, gringo



   Foi desta mistura que surgiu aquilo que é hoje a cozinha mexicana, que se espalhou pelo mundo em versão tex-mex , um conceito falsamente atribuido à genuína culinária do México,  generalizado ao mundo através de filmes em que cow-boys rudes, de barba rija, comem “chile con carne” ao entardecer.   Este prato, principal símbolo da cultura tex-mex, é muito popular na fronteira norte do país com o Texas, EUA,  mas apenas aí.

   O conceito de gringo (nome que no México se dá aos norte-americanos) juntamente com a imagem do mexicano sonolento que dorme a siesta cobrindo a cabeça com um sombrero e a receita de feijão, com carne picada e especiarias, atravessaram fronteiras, aterrando em restaurantes pretensamente típicos, um pouco por toda a parte, incluindo Portugal. O tex-mex acaba assim por se tornar erradamente na imagem da cultura mexicana, redutora da imensa variedade do país, mas adaptável aos paladares e às sensibilidades dos outros.

   Elementos mais genuínos podem ser encontrados na comida e na decoração de uns poucos restaurantes mexicanos existentes no nosso país, nalguma música que se ouve por aí ou nos livros de Carlos Fuentes e Octávio Paz – “ O muro ao sol respira, vibra, ondula, pedaço de céu vivo e tatuado. O Homem bebe sol, é água, é terra.” 

   A cultura portuguesa também chega aos mexicanos através de nomes como os Madredeus, Fernando Pessoa e José Saramago. Ainda recentemente o Nobel português da Literatura foi recebido calorosamente no México, dando inclusive origem ao que o La Jornada (um dos principais títulos da imprensa nacional) chamou de “Saramagomania”. 

   Infelizmente a gastronomia lusa é que não encontra eco nas mesas mexicanas, excepção feita às refeições servidas na embaixada portuguesa onde o bacalhau é rei. Se um dia, passeando lá por uma qualquer rua, se deparar com uma ementa á porta de um restaurante que apregoa “Lombo à portuguesa”, desconfie!

   Entre nós ainda  são as “tequillas bum-bum” e as “margaritas” que fazem mais sucesso mas, apesar do nome, não vai encontrar estas bebidas na “Pastelaria Mexicana”, em Lisboa – é que o baptismo deste estabelecimento nasceu de um equívoco. Em 1946, data em que abriu, o local onde se encontra era vulgarmente conhecido por Praça do México. Por qualquer razão, alegadamente diplomática, desconhecida até dos serviço de Toponímia da Camâra de Lisboa, o nome em 1948 passou a ser Praça de Londres. No entanto, ali perto continua a existir a Av. do México.

   São pequenos sinais a lembrar uma grande nação: banhada por dois oceanos, o Pacífico e o Atlântico,   com uma fronteira de mais de  3 000 km, só com os EUA, desertos áridos, altas montanhas e selva tropical. O 11º país mais povoado do mundo tem quase 100 milhões de habitantes. Um décimo da população é indígena, distribuida por 56 etnias diferentes.  

    Como é que sentimentos tão diferentes podem ser expressos numa só frase? Através da voz da selva, respondem-me, do rugido dos oceanos e do silêncio do deserto, da alma das gentes. É assim o México.                                                               

  




terça-feira, 1 de novembro de 2011

Chove lá fora. Eu cá gosto de chuva. E de frio. Lembram-me cobertores confortáveis, lareiras com garrafas de aguardente velha e camisolas de gola alta. Também me lembram outras coisas. Invernos que foram infernos, em paragens longínquas, e outros mais prazerosos. E como memórias são memórias lembro-me também de um tempo em que ser fotógrafo não me bastava, queria ser fotojornalista, daqueles à Dom Quixote, lutar contra moinhos de vento, mudar o  mundo. Armado de camera e convição, vestir-me de causas, ser os olhos do mundo onde o mundo não podia chegar. E durante muito tempo acreditei, lutei, persisti. Por causa dessa vontade fui batido, roubado, raptado, apontado e nada me faria desistir. Nada a não ser a vida. Um dia, já nem sei porquê deixei de acreditar. Achei que o mundo e os homens não tinham emenda e resignei-me. Que se lixe, pensei. Comecei a trabalhar apenas para ganhar a vida e com isso o prazer esvaiu-se. Fotografar passou a ser um acto mecanico, rotineiro, às vezes até envergonhado (eu, que amava fotografar acima de todas as coisas..). Mas então o Angelo nasceu. O meu filho para quem eu tinha sonhado mil histórias  que lhe contaria e que teriam em comum o facto de serem todas verdade. Histórias que eu tinha vivido, histórias que tinham feito do mundo dele um lugar melhor. E percebi que isso não seria possivel, as histórias não passavam disso mesmo,  o mundo que eu tinha para ele não prestava e eu afinal não tinha mudado uma virgula.. 
Olhem em volta, mas que raio se passa aqui? Olhem em redor e digam-me que não se sentem indignados? Ainda não se cansaram de ser roubados, gozados, explorados, por uma corja de bandidos bem falantes e bem vestidos que vos mentem semprem que abrem a boca? Alguem me explica porque tenho eu que pagar impostos que sustentam vilanagens e estilos de vida que eu não posso ter? Alguém percebe qual a necessidade de se lucrar biliões, triliões, o raio que parta ões, o lucro pelo lucro, pelo lucro, sem moral, sem face, sem piedade. Qual é o sentido de velhos a morrerem sózinhos e indignamente porque uma merda de um empresa qualquer, ou de um Estado qualquer, ainda não percebeu que o importante são as pessoas...
Eu conheço uma história de um casal, numa aldeia. Simples, humildes, apaixonados, decidem casar, ter um filho, viver em paz, com pouco que não precisavam de muito. Ele trabalhava, talvez como motorista, ela cuidava da casa e do filho. O pouco dinheiro, bem esticado, deu para a aventura de comprar uma casa, a sua casa. Mas então o acidente, a invalidez, o interminável labirinto das seguradoras megalómanas e cegas para os pobres e os humildes, o fim da assistência social que só não termina as reformas milionárias e escabrosas de uns quantos iluminados e pronto, o sonho morreu - não tardou que o fisco, o banco, uma pôrra dessas, lhes tirasse a casa suada e esforçada e os lançasse na rua. Valeu a caridade de uma vizinha onde vivem até hoje.  A casa, essa lá continua, a cair, porque ninguém, numa espécie de justiça cósmica, a quis comprar. Mas casos destes,todos conhecemos, não é verdade? Indignamos, vociferamos, escrevemos umas coisas no Facebook, às vezes (cada vez mais, é verdade) fazemos uma manifestações e a vida lá continua. Igual. Pior. Mas ainda não basta?
Um Homem tem que ter direito à sua imagem no espelho, dizia o poeta. O meu filho tem que se orgulhar de mim, digo eu. O nosso, e sublinho NOSSO, mundo, é aquilo que fazemos dele. Raios, eu até tenho as armas - as cameras, os olhos, a vontade - e como eu muitos outros. Mas andamos distraidos não é verdade. E depois já vai ser tarde.
A luta continua. Afinal eu ainda acredito.

  A humanidade já passou por muitas ameaças - não poucas das quais, iguais à que enfrentamos hoje. Epidemias e pandemias são recorrentes na ...