quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Apesar de beirão, de alma e coração, amo o Alentejo, sem pejo e sem segredo. O Alentejo das grandes planícies douradas pelo sol, dos sobreiros preguiçosos e das casas caiadas, dos velhos de boina à soleira das portas, dos cantares dolorosos e das açordas com azeite e alho. Aquele Alentejo onde eu corria e explorava sem limites e onde até hoje gosto de me perder. Eu disse perder? Não, isso já não é possível. Antes de continuar um parentesis - eu compreendo, muito bem até, a pobreza daquela terra, a necessidade de investimento e desenvolvimento económico, a prioridade sobre todas as outras, de ter emprego e alimentar a família. Posto isto uma questão, seria possível esse desenvolvimento sem o que vou descrever a seguir? Sem as barreiras que cercaram todo o Alentejo, quilómetros sem fim de cercas e vedações, que rodeiam as estradas como fronteiras de um mundo só de alguns, que nos impedem de meter por aquele atalho e explorar aquele caminho, sem trespassar propriedade privada? Barreiras que rodeiam exércitos de oliveiras e amendoeiras, trabalhadas por enxames de imigrantes de países miseráveis, distantes e exóticos. E seria possível essa prosperidade, sem o cheiro nauseabundo e o fumo assustador das múltiplas unidades de processamento de óleos alimentares e afins, que empestam o ar puro sem escapatória sempre que o vento sopra no sentido errado? Cronicamente o Alentejo é a terra onde os ricos reinam nos seus hectares de latifúndio, terra de impunidades onde nem as reservas naturais escapam ao poder dos milhões, terra bela e dramática, onde para escapar à pobreza é necessário vender a pureza. Nem sei mais o que me diga a não ser que me dói. E que levo um alicate de arame para cortar vedações, sempre que me apetece meter por um atalho proibido. 

Sem comentários:

Enviar um comentário

  A humanidade já passou por muitas ameaças - não poucas das quais, iguais à que enfrentamos hoje. Epidemias e pandemias são recorrentes na ...