segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

São 8 da manhã de Sábado e eu já estou acordado. Acordo todos os dias cedo,  normalmente porque tenho que ir trabalhar mas mesmo quando não,  por um misto de calor, luz que entra pela janela sem persianas - parece que é habito aqui - e simples falta de sono. Venho para a sala, ligo a TV na SIC noticias, ligo a máquina do café e puffff, vai-se a luz - parece que hábito também - Ok, vou tomar banho, abro a torneira e guess what? Não há água. Pois, é isso mesmo, hábito ..
Vou de viagem e a Policia manda-me parar. Lógico que falta sempre um documento qualquer não é? Pois, a consequência são 2 mil kwanzas (vinte dolares).  Mais tarde no regresso, nova paragem, motivos idênticos - desta vez a coisa sai mais barata, mil kwanzas..suspeito que um costume local também..vou passar por cima do pneu furado, consequência de estradas construidas por empreiteiros ébrios, com buracos em vez de asfalto e decoradas com toda a sorte de objectos perfurantes e cortantes - Angola tem o maior indice de carros sinistrados nas bermas do caminho que eu vi em toda a minha vida, Iraque e Afeganistão incluidos. Entre as estradas e a condução lunática em carros que se movem a milagre, também não se poderia esperar muito mais, não é verdade...
No intervalo da viagem arranjo um hotel para pernoitar. Bem, ok, uma pensão. Bem, talvez menos que uma pensão, antes um pardieiro que faria qualquer casota de cão parecer uma suite e que mesmo assim custa 50 dólares, normal dentro da política mega inflaccionada de preços que se pratica no país...mas pronto, é o que há. O quarto tem 1,50 m quadrado, onde cabe a cama, uma televisão dos anos 30, que escusado será dizer, não trabalha, e  nada mais..ligo o telemóvel para carregar na única ficha do quarto e fico com ela na mão. Claro que nao funciona. Desisto, vou tomar um duche na casa de banho colectiva e sem luz e claro...não há água..em desespero de inactividade vou ao carro buscar um cigarro e sou mordido no braço por qualquer bicharoco daqueles que por aqui abundam, e que têm todos como caracteristica ser tão peçonhentos quanto a natureza lhes permite - resultado, três dias de inchaço e comichão. E nem vi o desgraçado..
África em geral, e no meu caso Angola em particular, tem especificidades que para espiritos mais sensiveis, habituados à rotina da civilização ocidental, podem parecer estranhas, ou mesmo penosas em certos casos. Noutros, mais sérios, a estranheza e o choque reflectem-se em todos nós, mesmo naqueles mais habituados a estas andanças - como a miséria galopante, a sujidade omnipresente, e sobretudo o pouco valor que a vida humana parece ter. Mas depois há o outro lado da moeda.
As estradas intermináveis, que serpenteiam em direção a horizontes, que de tão longe não se vêem, ou as cucas geladas nos fim da tarde, pintados por cores que apaixonam a objectiva e aquecem a alma. Os trilhos enlameados e pejados de desafios, com pontes improvisadas e periclitantes, a ameaçar despenho no rio, ou o sorriso feliz e caloroso de gente contente só por estarmos ali. As conversas intermináveis e suaves, sobre tudo e sobre nada, porque o relógio não manda. A imensidão extravagante, de postal ilustrado, a felicidade generalizada de magotes de crianças, que ainda podem brincar na rua, a água quente do oceano, o funge, as malaguetas, o cacuço, o bamboleio das mulatas, a esperança no futuro.
África é um continente de contrastes e intensidade. Já cá estive, há muito tempo atrás, por diversas ocasiões e em diferentes situações. Aqui passei um Natal na lonjura das montanhas Nuba e atravessei o Sahara na companhia dos soldados da Polisário. Bebi em bares esquecidos em fronteiras ainda mais esquecidas e acompanhei jornadas de luta. Era tempo de regressar.

  A humanidade já passou por muitas ameaças - não poucas das quais, iguais à que enfrentamos hoje. Epidemias e pandemias são recorrentes na ...