sábado, 28 de julho de 2012

Sim é verdade. Olhando para os meus texto, para o espirito que eu tenho passado deste projecto, do meu /nosso"love is a Strange Place", nos textos que tenho escrito, percebo que algo falta. Não quero que se pense, que tudo neste trabalho são rosas sem espinhos. Utopias e lirismos de lágrima fácil a puxar ao lamechas, tudo bonito, tudo amor, muita dedicação e finais felizes. Não, desenganem-se, isto aqui é a vida real. O amor é o fundamento sim, mas aqui não se vive em nuvens, sorriso eterno e mão dada, aqui há roupa suja, cansaço, desilusão, interrogações e dúvidas e faltas de paciência e desespero e lágrimas e vontade de fugir.Por muito que se ame, por muito grande que seja o espírito de sacrifício, a devoção ao outro, há dias em que simplesmente não dá mais. Em que se olha para o céu a perguntar porquê, porquê, porquê eu. Quantos de nós conseguiriam viver assim: todas as horas, todos os dias, meses, anos, toda a vida assim, até que a morte nos separe. A cuidar de tudo, dos mais infímos pormenores, dos mais sórdidos segredos, a carregar, a lavar, a alimentar, a cuidar, a amparar, a amar sobretudo. E nós, sabendo isso, perdoamos que esse amor seja por vezes obscurecido por nuvens de tempestade e mãos apertadas e dentes cerrados, porque nós, sejamos francos, não sabemos se conseguiriamos. E essa é a maior força dos fortes, terem afinal, fraquezas e momentos de dúvida e a seguir limparem as lágrimas e levantarem-se e continuarem. Sempre. Até que a morte nos separe.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Era noite lá fora, e eu sentia o suor a escorrer-me pelo peito, do calor que ainda se fazia sentir. Nenhuma luz espantava a escuridão pesada, à parte os faróis da carrinha que nos levava velozmente de volta a Tripoli e os relampagos, imensos, surreais, que rasgavam os céus e se esmagavam algures no deserto em redor. Foi na Libia, há muitos anos atrás, tantos que a memória se tornou esbatida e em tons de pastel, mas lembro-me do quanto amei aquele país, agora devastado pela guerra. Lembro-me dos banhos de mar quente à noite, da amabilidade das pessoas, dos souks despojados de turistas, do olhar de estranheza que se fazia à passagem dos visitantes. Lembro-me da imagem do ex-eterno ditador Kathaffi, omnipresente, do deserto tão vasto que parecia não ter fim, das ruínas romanas, dos nómadas, das visitas programadas a escolas e hospitais e museus, do cabelo louro da Agnieska, polaca e viajante sem fronteiras, das longas estradas sem fim, dos policias que nos seguiam, dos sorrisos que nos abraçavam. Mas lembro-me sobretudo daquela viagem, naquela carrinha à noite. Sinto como se fosse hoje o calor, o suor a escorrer-me no peito, ouço ainda o Bruce a cantar-me nos ouvidos "tenderness in the air", e dos relampagos, centenas deles, numa tempestade seca como eu nunca havia visto, nem imaginava que pudesse haver. Essa foi a minha Libia, longe no passado, num tempo que já não existe e do qual restam apenas memórias desvanecidas e fotos que teimam em me agarrar a ele. Hoje senti saudades. Saudades de ir, ir apenas, mochila de roupa e mochila de fotografia e alma cheia e cheiro de aventura. Ver o mundo pelos meus olhos e depois mostra-lo aos outros, ser a testemunha dos homens e mulheres que permanecem, cumprir a missão que me imaginava destinada. Hoje vi o que já havia visto mil vezes,  o que teima em destruir a Siria, e que já destruiu a Libia e que irá destruir outros, e outros e um dia talvez até nós e  senti que me estava a trair, que é ali que eu pertenço, onde eu quero estar. Mas depois percebo que não. Que a vida, e o que nos agarra a ela, muda e evolui e transforma-se, e leva-nos com ela. Aquela foi a minha Libia, naquela viagem de carrinha pelo deserto em que se abatiam relampagos como chuva. Na viagem que continuará para sempre em mim.

  A humanidade já passou por muitas ameaças - não poucas das quais, iguais à que enfrentamos hoje. Epidemias e pandemias são recorrentes na ...