quinta-feira, 17 de setembro de 2020

 A humanidade já passou por muitas ameaças - não poucas das quais, iguais à que enfrentamos hoje. Epidemias e pandemias são recorrentes na nossa história. Sempre nos reerguemos. Em todas, a maior ameaça não vem dos monstros microscópicos, mas de nós próprios; do nosso egoísmo, da nossa ganância, do mal que em nós habita. Visível no açambarcamento de bens que fazem falta a todos, nas discussões nas filas dos supermercados, na especulação vergonhosa de preços, nos gajos que arrebentam minimercados com carrinhas, para roubar tudo o que lá existe, nas filas para comprar armas nos USA, no venha a mim e que se lixe o próximo. Somos isto, nós? É que se formos então não admira que a natureza esteja farta da nossa presença. Mas depois vêm os sinais de esperança - os gestos de solidariedade, os hotéis transformados em hospitais, a empresa de tecidos que faz máscaras e as distribui à borla, o jovem que faz compras para as velhotas isoladas dos prédios. E é por isto que nos reerguemos; porque afinal o bem também mora aqui. E o bem é mais forte, acreditem. Porque cada imbecil, cada egoísta, cada cabrão que existe (e tantos que são..), não passam disso mesmo. Sejam solidários. Sejam bons. Sejam tranquilos. As tormentas passam e o Sol volta sempre a brilhar.

Apesar de beirão, de alma e coração, amo o Alentejo, sem pejo e sem segredo. O Alentejo das grandes planícies douradas pelo sol, dos sobreiros preguiçosos e das casas caiadas, dos velhos de boina à soleira das portas, dos cantares dolorosos e das açordas com azeite e alho. Aquele Alentejo onde eu corria e explorava sem limites e onde até hoje gosto de me perder. Eu disse perder? Não, isso já não é possível. Antes de continuar um parentesis - eu compreendo, muito bem até, a pobreza daquela terra, a necessidade de investimento e desenvolvimento económico, a prioridade sobre todas as outras, de ter emprego e alimentar a família. Posto isto uma questão, seria possível esse desenvolvimento sem o que vou descrever a seguir? Sem as barreiras que cercaram todo o Alentejo, quilómetros sem fim de cercas e vedações, que rodeiam as estradas como fronteiras de um mundo só de alguns, que nos impedem de meter por aquele atalho e explorar aquele caminho, sem trespassar propriedade privada? Barreiras que rodeiam exércitos de oliveiras e amendoeiras, trabalhadas por enxames de imigrantes de países miseráveis, distantes e exóticos. E seria possível essa prosperidade, sem o cheiro nauseabundo e o fumo assustador das múltiplas unidades de processamento de óleos alimentares e afins, que empestam o ar puro sem escapatória sempre que o vento sopra no sentido errado? Cronicamente o Alentejo é a terra onde os ricos reinam nos seus hectares de latifúndio, terra de impunidades onde nem as reservas naturais escapam ao poder dos milhões, terra bela e dramática, onde para escapar à pobreza é necessário vender a pureza. Nem sei mais o que me diga a não ser que me dói. E que levo um alicate de arame para cortar vedações, sempre que me apetece meter por um atalho proibido. 

A favor e contra a festa do Avante. Contra e a favor da polémica disciplina de Cidadania e desenvolvimento. Fanáticos da proteção e negacionistas do Covid. Direitistas e esquerdistas, liberais e conservadores, anti touradas e amantes das mesmas, vegetarianos e venha a costeleta de novilho - tudo serve para fracturar a sociedade e polarizar as opiniões, a contento de quem sabe que dividir é reinar..nada de mal em termos visões diferentes e debate-las; a minha verdade não tem que ser a tua verdade, pese embora uma possa ser mais válida, ou justa, ou realista. Podemos então analisa-las, conversa-las, eventualmente até assumir que a tua faz mais sentido do que a minha. Mas isto seria num mundo de respeito e lucidez, onde o caminho se mostra iluminando. Na realidade o que se passa (potenciado e manipulado por quem sabe) é que ao ser confrontado com uma visão diferente da minha me transformo numa alimária fundamentalista, com o objectivo não de te ouvir e tentar entender, mas de te impor a minha razão - normalmente através de insultos torpes, superioridades morais, argumentos falaciosos e paternalismos bacocos. Eu é que sei e tu não passas de um imbecil/fascista/esquerdalho, ou outra que se adeque ao tema em causa.

Dividir para reinar. Ou pão (pouco) e circo (muito). E os palhaços somos nós. Todos. Bom dia.

  A humanidade já passou por muitas ameaças - não poucas das quais, iguais à que enfrentamos hoje. Epidemias e pandemias são recorrentes na ...